Ni!
2011/2/20 Béria Lima <berialima(a)gmail.com>:
>> Esse posicionamento (tanto do "ChapCom" quanto das outras WM*) é muito
>> contraditório com o espírito livre do mundo wiki.
>
> Pelo contrario. Livre nunca significou anarquia, e o que é um chapter foi
> definido anos atras pela WMF e aceito por todos. Se a comunidade do Brasil
> não aceita o modelo, é direito dela, mas não pode reclamar quando os
> direitos de um chapter lhe são negados, afinal a regra estava lá o tempo
> todo. Podem querer mudar as regras, mas até lá elas existem para ser
> cumpridas.
Diego - e demais, o problema é de desenho institucional.
A forma como a WMF criou os capítulos, concedendo monopólios regionais
a corporações sem fins lucrativos, foi equivocada.
Isso que a Béria repete, e que substanciou com a palavra de seus
membros, é o conto da sacralidade do modelo que o chapcom vende por
aí. Descartando-nos com refutações descontextualizadas de alvos
fáceis, mas secundários, enquanto esquivam-se das questões principais,
como discutir as críticas feitas e permitir a participação de
alternativas nos processos - com qualquer nome que seja.
Mas essa sacralidade nem a WMF compra, visto o apoio que temos
recebido para desenvolver modelos alternativos de ação.
De fato, a WMF encarregara ao Chapcom que nos ajudasse a desenvolver
nossa ideia e negociasse como incorporar-nos ao sistema atual. Eles,
da forma mais rude possível, recusaram essa tarefa, retornando à WMF a
responsabilidade. Foi essa, inclusive, uma das razões que levou a
fundação a contratar a Carol, para introduzir oficialmente a
discussão.
Por que o chapcom fez isso? Por que eles rejeitam tão violentamente
qualquer relação conosco, com base num boicote legalista? Bem, vale
aqui conhecer um pouco a realidade, que pude testemunhar em dois
chapters' meetings e duas Wikimanias, interagindo com mais de uma
dúzia de representantes de capítulos e conversando pessoalmente com
membros da mesa diretora e funcionários da WMF, tendo inclusive estado
em São Francisco visitando a sede.
E essa realidade é que o chapters' meeting é uma coisa embaraçosa,
para não dizer uma vergonha. A maioria dos chapters são coordenados
por gente sem nenhuma experiência em mobilização popular ou
institucional, de pouca visão empresarial, e competência estritamente
burocrática - quase sempre adquirida de última hora para formatar um
estatuto. Não vou entrar no mérito do que eles realizam, mas não há
dúvida que todas as vezes que nos apresentamos lá estávamos bem acima
da média e da mediana.
Até aí, também há capítulos bacanas e bem geridos, ainda que deixem a
desjar em alguns aspectos; poderia-se dizer exemplos a serem seguidos.
Poderia-se criticar apenas a sede de multiplicar as estruturas sem
garantir sua qualidade. Mas essa não é toda a realidade.
E tomo então os olhos do Rodrigo, que falou uma coisa acertada: siga o dinheiro.
Quase a metade do tempo dos chapters' meetings são gastos discutindo
como abocanhar para os capítulos mais direito sobre a marca e mais
proeminência na campanha de angariação de fundos.
A metade maior do tempo se divide entre questões burocráticas,
financeiras, criação de mais capítulos e no que sobrar relatam-se
algumas experiências de outreach e parcerias institucionais que seriam
muito melhor aproveitadas se melhor documentadas e divulgadas nas
wikis ao invés de apresentadas en-petit-comité.
A falta de um padrão de transparência, lembrada pelo Tom, é tamanha
que eles nem se põe a questão.
Por isso eu acho pouco relevante nesse momento que não estejamos ali,
ao mesmo tempo em que não sermos bem-vindos é um sinal importante para
a WMF.
Porque nossa ideia é que podemos mobilizar mais gente e fazer coisas
mais sustentáveis sem precisar transferir a gestão de marcas e recuros
- isto é, poder sobre a parcela excluível do valor do trabalho de toda
a comunidade - a priori e para pequenos grupos autárquicos. E porque
não nos dobramos na questão da transparência.
Por isso o chapcom é tão avesso ao modelo transparente, participativo
e distribuído proposto pela WMBR, pois temem que nos tornemos um vírus
que possa contestar a situação do lado de lá. Para completar, alguns
de seus membros tem dentro daquele modelo um projeto de poder
individual já público de tão escancarado.
Bem, agora que já devo ter deixado a Mônica<del><del>Béria espumando
(de blincadeila!), permitam-me relembrar a importância de um termo na
primeira frase deste e-mail: desenho institucional.
Problemas de desenho isntutucional são, como a atual crise econômica
internacional, situações onde internamente não há culpados morais, nem
ninguém pode ter seu caráter julgado, pois os incentivos foram postos
ali para as pessoas agirem daquela forma. Também são problemas
difíceis, onde só pessoas em posições privilegiadas e com capacitações
específicas enxergam que há um problema. Isso não quer dizer, contudo,
que não existam responsabilidades.
A WMBR entrou em sua posição privilegiada quando surgiram
divergências, já mencionadas pelos Rodrigos, ligadas ao nosso contexto
geo-político-econômico-cultural, e enxergamos uma saída do modelo pois
tínhamos em nosso meio várias pessoas com conhecimento e experiência
em corporações com e sem fins lucrativos, movimentos sociais,
políticos, leis e economia, capazes de analisar a situação de maneira
a fazer valer um lema das wikis: seja audaz.
Assim que, esse escape, como tal, não foi totalmente consciente ou
proposital, mas também fruto de acidentes programados. Apenas hoje
podemos olhar para trás e entender os acontecimentos nesse contexto
mais amplo.
Enfim, na minha tentativamente humilde opinião, é esta a situação em
que nos encontramos, ou ao menos a que consigo comunicar.
Tenho enorme admiração e respeito por muitos membros de capítulos, do
chapcom e até por algumas das instituições, mas isso não significa que
eles estejam num bom caminho. Soldados honestos e nobres patriotas
lutaram também em guerras opressivas.
Gerenciar o valor excluível de um projeto comunitário de forma justa é
algo terrivelmente complexo e requer avanços e retrocessos. A WMF tem
uma estrutura participativa, transparente e minimalista para lidar com
isso, e ainda está longe da perfeição. A preocupação do Lugusto e da
Béria com a participação de não-wikimedistas nos princípios da WMBR
refletia isso.
A realidade que testemunhei, com minhas limitações e imperfeições,
adicionalmente sugere que a participação de wikimedistas por si não
garante o que se desejava no médio prazo: preservar os valores das
wikis. Eles encontram-se institucionalmente corrompidos pelo modelo.
Como a influência não é explícita, mas sistêmica, os incentivos se
alinham a formar uma bolha de capítulos. Vários monopólios regionais
sem nenhum padrão de comparabilidade, transparência, participação e,
em países continentais ou desiguais, sem garantias de distribuição.
Seus efeitos são mais contundentes em regiões sensíveis a essas
questões, daí que os estadunidenses notaram primeiro a necessidade de
organizarem-se regionalmente e daí que a bolha estourou primeiro aqui,
num país continental e imensamente desigual, com um grave déficit de
participação e transparência por ter emergido de duas ditaduras no
primeiro século de sua república.
Para encerrar, sobre nossa responsabilidade nessa situação, de nós ela
apenas requer que sigamos dando um bom exemplo, buscando soluções
criativas - como foi a própria wikipédia - e não nos percamos os
valores que nos definem.
Um abraço,
ale