Luis augusto, acho que podemos pensar em incluir materiais que já existem em línguas indígenas como um patrimônio mundial, tais como os de José de Anchieta que vc citou (talvez em parceria com universidades), e também discutir a inserção pró-ativa de comunidades que irão decidir quais os conteúdos a serem inseridos. No caso dos Kokama, povo o qual trabalho, poderíamos ver quais os conteúdos poderiam ser traduzidos e criados. Exemplos de tradução para a língua indígena seria o Hino nacional que foi feita por uma indígena Kokama e a Convenção 169 da OIT que foi cogitada (são só exemplos, podem ser feitas outras traduções). Já os conteúdos referentes à cultura viva e em movimento seriam decididos ao decorrer do tempo pelos editores indígenas Kokama, se assim quiserem. Olhe a resposta que falo do teste do Wikitionary e veja o que você acha. Obrigada pelas reflexões.
Em 26 de março de 2014 14:36, Luiz Augusto lugusto@gmail.com escreveu:
Olás,
Aqui se interseccionam diversas questões. O ideal mesmo seria primeiro escolher uma dessas línguas e suas comunidades, fazer uma análise, mesmo que superficial sobre a realidade do que já existe desse idioma por aí (especialmente registros impressos e/ou orais do idioma) e da realidade da comunidade do idioma (o quanto estão ou não urbanizados, o quanto estão familiarizados com a língua portuguesa) para, depois, decidir qual das facetas da Wikimedia valeria a pena investir esforços.
Criar uma Wikipédia logo de cara para esse idioma? Sinceramente, essa seria minha última opção. O ponto crucial aqui me parece ser preservar e fortalecer uma cultura, não "informar" essa população.
Até hoje, diversos grupos cristãos acham o máximo traduzir a Bíblia para um idioma indígena. Ajuda a preservar o idioma? Ajuda. Mas e a religiosidade dessa comunidade, vai parar onde? Há mesmo a necessidade de inserir nessas comunidades esse choque cultural que nem nós mesmos ainda conseguimos administrar?
Uma Wikipédia em um idioma local iria nesses mesmos lados. Seria impossível criar um verbete sobre uma dada planta sem revelar esses conhecimentos que seria recomendado ser protegido primeiro de alguma forma (a menos que fosse um wiki acessível apenas a essa comunidade, ou seja, fora dos domínios da Wikimedia). Um verbete sobre educação: como seria organizado? Falaria da educação "ocidental"? Ou algum conceito do idioma local, vizinho à ele, seria distorcido até se chegar ao que nós entendemos como educação? Será que não seria melhor registrar esse conceito "in natura" tal como é nessa comunidade, e depois ser feita a distorção do "nosso" conceito até que consigamos entender o deles?
Aliás, esse conceito ainda existe ou já foi suficientemente diluído em um "nosso"? Não seria melhor escavar pelo sentido mais próximo ao original desse conceito do que continuar enfiando uma cultura diferente dentro da "nossa"?
Esse choque cultural poderia, inclusive, resultar em apenas mais um wiki inativo solto por aí: uma abordagem inadequada não daria "liga" entre essas pessoas, não as motivando a participar. Que, aliás, é o que eu espero que aconteça com todas tentativas similares nesse sentido, já que tal wiki ir adiante nesses termos significaria apenas a perda de mais uma visão de mundo, que seria subjugada "à nossa".
Saber o quanto essa comunidade tem de conhecimento da língua portuguesa também seria extremamente importante, ainda dentro da perspectiva de se preservar culturas. O Language committee da Wikimedia exige que uma porcentagem razoável da interface do MediaWiki esteja traduzido no idioma que se almeja criar conteúdos.
Na minha temporada de voluntário polivante, onde eu também traduzia o MediaWiki, eu sentia muita dificuldade de traduzir certos termos para a língua portuguesa. Na falta de termo adequado eu acabava adotando o em inglês, e gastando com isso várias horas de diálogo com pessoas que preferiam aportuguesar o termo (sobrevalendo o interesse patriótico de "fortalecer o idioma" [huh?] do que o de informar com precisão). E estamos falando de duas línguas inseridas na mesma "lógica" cultural...
Para traduzir a interface para um idioma indígena certamente seriam necessárias muitas abstrações e figuras de linguagem (aliás, será que tais idiomas possuem tais expedientes?). O simples ato de traduzir a interface criaria o mesmo efeito danoso dos cristãos "bem intencionados" em levar sua visão de mundo a outros sob o pretexto de preservar a forma de escrita de uma língua (que, aliás, muitas vezes nem tinha forma de escrita antes desse esforço de "tradução").
Enfim, antes de definirmos em qual projeto Wikimedia trabalhar (Wikipedia, Wikibooks, Wikcionário, Wikisource, Wikimedia Commons) temos as opções a ponderar:
- Trabalhar em um wiki de interface em português com conteúdo textual em
português?;
- Trabalhar em um wiki de interface em português com conteúdo textual em
outro idioma (necessitando, para isso, de negociações com o Language committee)?;
- Trabalhar em um wiki de interface e conteúdo textual em idioma indígena?
Há, ainda, formas de se trabalhar com esses idiomas que não precisem de muito envolvimento com as comunidades falantes, talvez mesmo com algum envolvimento apenas de estudiosos familiarizados com esses idiomas.
Contatos entre as culturas produziram diversos materiais, tais como o famoso "Arte de Grammatica da Lingva Mais Vsada na Costa do Brasil", do padre José de Anchieta. Esse e muitos outros já se encontram em domínio público devido à sua antiguidade, podendo tanto ser trabalhados no Wikisource quanto transformados e atualizados no Wikibooks e/ou Wikipédia.
Esse em específico do José de Anchieta já está digitalizado por aí. Mas, diversos similares, envolvendo as línguas crioulas africanas (durante a criação "espontânea" delas ou já analisando o que já havia ocorrido), também se encontram em domínio público pela antiguidade, mas totalmente indisponíveis na Internet. O simples trazer ao meio digital desses livros teria algum valor cultural alto, já que os esforços de digitalizações estão focados apenas em coisas "interessantes" à "nossa" sociedade (repetindo toda a confusão dos "gabinetes de curiosidades" do século XIX que os museus ainda tentam resolver... ai, humanos). Falo das línguas crioulas pois delas que fiz alguma pesquisa superficial, mas certamente isso se aplica também às línguas indígenas brasileiras.
Aliás, a digitalização desses materiais já envolveria outro tipo de esforço... quem guarda os originais? As bibliotecas nacionais de Portugal e do Brasil, as bibliotecas nacionais dos países africanos, bibliotecas universitárias que possuem núcleos de pesquisa desses idiomas, as próprias instituições que sobrepuseram as culturas, colecionadores particulares...?
Luiz
2014-03-25 12:51 GMT-03:00 Castelo Branco michelcastelobranco@gmail.com:
*1- Quais são as etapas necessárias para se incluir uma língua na
wikimedia? Para incluir na wikipedia seria o mesmo procedimento? Lembro que li em algum lugar que era necessário ter uma amostra de textos. A intenção é incluir as línguas dentro do menu de opções.*
Primeiro, sugiro escolher um projeto. Há vários na WMF, e de maneira bem sucinta, o mais simples seria carregar os registros fonográficos, visuais ou audiovisuais no Commons. É um projeto multilíngue e não é preciso criar nada, apenas carregar os arquivos ao projeto já existente. Tampouco isso inclui a língua no menu de opções, apenas publica material que pode ser utilizado para os demais projetos. Parece um bom ponto de partida.
Em seguida, sugiro desenvolver espaços dentro dos projetos em língua portuguesa: expandir verbetes na Wikipédia em português sobre o povo [1] e seu idioma [2], uma categoria no Wikicionário em português contendo as explicações e sinônimos para o léxico na língua-alvo [3], uma categoria no Commons para as imagens, sons e vídeos relacionados à etnia [4],
Finalmente, sobre os projetos específicos na língua, acho que seria mais simples começar pelo Wiktionary, para o qual acredito haver mais fontes para o conteúdo já publicadas (dicionários, trabalhos acadêmicos em antropologia, etc). Mas é só um palpite, é importante conversar com a comunidade interessada para saber que tipo de conteúdo é mais adequado, que fontes existem, etc. Aliás, naquele processo de solicitação de criação de um novo projeto, o voluntário que estará defendendo a criação deve ser capaz de responder esses questionamentos. Eu participei na criação de dois projetos em Esperanto (wikinews e wikisource), talvez possa ajudar com alguma coisa nessa etapa.
O Vinícius também já explicou os passos para criação de um projeto em uma nova língua, no Incubator (ou Beta, para o Wikiversity). É por aí mesmo.
Michel Castelo Branco
[1] http://pt.wikipedia.org/wiki/Enawen%C3%AA-naw%C3%AA [2] http://pt.wikipedia.org/wiki/L%C3%ADngua_enawen%C3%AA-naw%C3%AA [3] http://pt.wiktionary.org/wiki/Categoria:Enawen%C3%AA-naw%C3%AA [4] http://commons.wikimedia.org/wiki/Category:Enawen%C3%AA-naw%C3%AA
Em 25 de março de 2014 12:28, Jamila Venturini jamilarv@riseup.netescreveu:
Oi Chandra!
Que legal essa entrevista com o Anápuáka que você encaminhou. Estamos fazendo uma pesquisa sobre recursos educacionais abertos no Brasil e percebi que não tínhamos na nossa amostra nenhuma referência de indígenas que estivessem pensando na produção com Creative Commons.
Se você (ou qualquer pessoa da lista) tiver contatos e/ou indicações de grupos ou pessoas que vem trabalhando esse tema, seria muito interessante pra gente tentar incorporar na pesquisa também essas práticas e reflexões.
Caso você se interesse, há mais informações sobre a pesquisa em https://pt.wikiversity.org/wiki/Mapeamento_REA_(Brazil_Program). Qualquer dúvida ou comentário também fico à disposição.
Um abraço! jamila
Em 25/03/14 02:34, Chandra Viegas escreveu:
Pessoal, complementando as informações. Além dos artigos que foram indicados pelas pessoas que responderam ao e-mail, encontrei o artigo *Os POVOS INDÍGENAS frente ao DIREITO AUTORAL e de IMAGEM* [1] Outra questão importante foi a leitura da entrevista *Anápuáka, o índio conectado* [2]. O entrevistado indígena fala, além de outras coisas, sobre a obra *Pataxó Hã hã hã* [3] da série *Índios na visão dos índios*. Ele fez a editoração da obra que está disponível para download gratuito sob a licença Creative Commons.
[1] http://www.socioambiental.org/banco_imagens/pdfs/10114.pdf [2] http://riojob.com.br/conteudo/entrevistas/anapuaka-muniz-tupinamba-ha-ha-hae... [3] http://www.thydewa.org/downloads/hahahae.pdf
Em 22 de março de 2014 23:15, Chandra Viegas chandraviegas@gmail.comescreveu:
Olá para todos!
Venho abrir um debate sobre a INCLUSÃO DAS LÍNGUAS INDÍGENAS BRASILEIRAS na Wikimedia. Conforme o último senso realizado pelo IBGE no ano de 2010 *a população indígena do Brasil é de 896,9 mil, tem 305 etnias e fala 274 idiomas.*
A presença destas línguas no ciberespaço é de suma importância para o reconhecimento e para a valorização. As ações que envolvem esse processo de inclusão fazem parte da política linguística desejada no Brasil. Para que as línguas estejam no ciberespaço é importante que a elaboração de todo o conteúdo e da decisão de inclusão, ou não, envolva os respectivos falantes das comunidades. As pessoas das comunidades linguísticas podem fazer parcerias com universidades, escolas, laboratórios de informática, ou podem criar o conteúdo em suas próprias comunidades, ou onde se encontrarem. Para continuar o debate, já iniciado pelo Mateus Nobre com a língua *Nheengatu*, venho apresentar algumas reflexões e perguntas para os interagentes da lista. Observação: a Oona sugeriu que se começasse pela língua oral, incluindo vídeos, áudios e imagens na ( commons.wikimedia.org*). e *propondo a transcrição colaborativa dos materiais. Seguem as questões:
1- 1- Quais são as etapas necessárias para se incluir uma língua na wikimedia? Para incluir na wikipedia seria o mesmo procedimento? Lembro que li em algum lugar que era necessário ter uma amostra de textos. A intenção é incluir as línguas dentro do menu de opções.
2- 2- Quais são as opções de direitos autorais das imagens, textos, vídeos? Já que alguns indígenas disseram que empresas já usaram imagens gráficas sem a permissão deles e outra preocupação é com os conhecimentos relacionados com as ervas medicinais, sementes, etc, que sofrem com a biopirataria, em que muitas vezes empresas internacionais ou nacionais registram a patente sem considerar a propriedade indígena.
O Observação: Pretendo incluir as discussões geradas aqui em minha tese de doutorado a ser defendida em maio, citando as respectivas contribuições de cada pessoa da lista.
O Abraços
Chandra Wood Viegas
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