Excelentíssimo Senhor Ministro da Cultura,
Dr. Pedro Adão e Silva
Excelentíssimo Chefe de Gabinete do Ministro da Cultura,
Dr. Vasco Casimiro
Considerando a importância dada à digitalização das coleções dos museus afetos à Direção Geral do Património Cultural (DGPC) através do Plano de Recuperação e Resiliência, bem como a importância de assegurar que a disponibilização das obras de arte online obedeçam a boas práticas europeias.
Considerando a importância prestada ao acesso cultural no Plano Nacional das Artes, conforme assinalado no artigo 73.º da Constituição Portuguesa, onde é referido que «todos têm direito à educação e à cultura»:
O Estado promove a democratização da cultura, incentivando e assegurando o acesso de todos os cidadãos à fruição e criação cultural, em colaboração com os órgãos de comunicação social, as associações e fundações de fins culturais, as colectividades de cultura e recreio, as associações de defesa do património cultural, as organizações de moradores e outros agentes culturais.
Considerando ainda ao disposto no artigo 78.º da Constituição, onde é esclarecido que:
e) Articular a política cultural e as demais políticas sectoriais. (…)
Considerando as recomendações do Grupo de Projeto Museus no Futuro constituído no Despacho n.º 4527/2019, nomeadamente no capítulo III.3 Transformação Digital, onde é assinalada:
III.3.5.5 | Assegurar e incrementar o acesso digital às coleções e acervos, através de políticas de acesso aberto, em particular às imagens de obras em domínio público, em linha com o quadro legal nacional, as diretivas e as recomendações europeias, adaptando os regulamentos existentes, criando condições que incentivem a apropriação, reutilização, partilha e uso dos meios digitais como recursos educativos e estimulando a participação (e. g. crowdsourcing), a inovação e a criatividade.
Considerando que neste momento estão disponíveis através do Europeana cerca de 1,100 obras de arte pertencentes às coleções da Direção Geral do Património Cultural com o reconhecimento do Domínio Público assinalado. Apesar disso, a DGPC através do Regulamento de Utilização de Imagens de Museus, Monumentos e outros Imóveis afetos à DGPC adota uma política contraditória gerando assim uma discrepância legal nas suas práticas.
Considerando que existem dois pilares fundamentais para qualquer estratégia de promoção de acessibilidade das coleções museológicas online, no Séc. XXI:
Considerando que uma política de Acesso Aberto assenta no reconhecimento do direito da sociedade de usufruir livremente do domínio público. Os direitos económicos dos autores (de autorizarem e proibirem a utilização das suas obras) caducam setenta anos depois da morte daqueles. A partir dessa data, ninguém pode impedir outrem de usufruir e explorar economicamente as obras caídas no domínio público, desde que se respeitem os direitos morais do autor (nomeadamente o direito à honra e à integridade da obra). No entanto, sem uma política de acesso aberto, a comunidade dificilmente consegue exercer este direito relativamente às obras que estão nas coleções das instituições culturais.
Considerando que o domínio público e o acesso aberto são os meios que permitem envolver os cidadãos com o seu património através da reutilização das obras digitalizadas, e por consequência aumentar a proximidade dos cidadãos com as instituições de património que detêm a obra original.
Considerando que políticas de acesso aberto são comuns em museus na Europa e nos Estados Unidos (destaque-se o The Metropolitan Museum of Art, em Nova Iorque, o Rijksmuseum, em Amesterdão, a National Portrait Gallery, em Londres, ou os Museus Nacionais da Suécia). E que a Biblioteca Digital Europeia e o Europeana recomendam, no seu Public Domain Charter, que o que está em domínio público deve permanecer em domínio público. Em Portugal, destaca-se a política de acesso aberto da Biblioteca Nacional de Portugal, a instituição cultural portuguesa que tem liderado os esforços nessa área.
Com vista a expandir estas boas práticas, permitindo que haja um acesso universal efetivo às coleções museológicas nacionais, solicitamos, como entidades representativas da sociedade civil e organizações sem fins-lucrativos ligadas ao acesso ao conhecimento e à cultura, que as seguintes medidas sejam tomadas e/ou recomendadas por V/. Exas.:
Relativamente à Recomendação da Comissão Europeia acerca de um espaço comum europeu de dados para o património cultural (2021), considera-se da maior importância que o Ministério da Cultura esclareça qual é a estratégia adoptada para alcançar as metas estabelecidas na mesma. Com efeito, importa clarificar quais são as prioridades em termos de digitalização de património cultural, designadamente imóvel, e como serão atingidas as metas quantitativas definidas pela CE para a produção de modelos 3D de monumentos, conjuntos e sítios.
Igualmente relevante é saber como podem tais campanhas de digitalização integrar-se nas várias instituições tuteladas pela DGPC e articular-se os recursos digitais,
Por último, e não menos importante, é questionar se os modelos digitais produzidos com fundos europeus, nomeadamente através do PRR, serão disponibilizados em acesso aberto ou se a sua acessibilidade será condicionada por interesses comerciais de terceiros ou, simplesmente, pelas limitações da maioria dos websites institucionais sob a tutela do Ministério da Cultura.
Agradecemos desde já a sua atenção e consideração e aguardamos com expectativa a vossa resposta. Anexamos a carta aberta, devidamente assinada.
Com os melhores cumprimentos,
Associação Wikimedia Portugal
Associação Nacional para o Software Livre
Associação Communia
Associação Acesso Cultura
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