Bom dia,

Serve o presente email para informar que a Wikimedia Portugal é signatária da Carta aberta: Medidas para facilitar o acesso às colecções museológicas nacionais, que foi ontem enviada ao Ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva, e ao Chefe de Gabinete do Ministro da Cultura, Vasco Casimiro.

Transcrevo de seguida o texto da carta que também poderão consultar no blog da associação: https://blog.wikimedia.pt/2023/06/02/carta-aberta-medidas-para-facilitar-o-acesso-as-coleccoes-museologicas-nacionais/

Cordialmente,
Sofia Matias
Wikimedia Portugal

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Carta aberta: Medidas para facilitar o acesso às colecções museológicas nacionais

Excelentíssimo Senhor Ministro da Cultura,
Dr. Pedro Adão e Silva

Excelentíssimo Chefe de Gabinete do Ministro da Cultura,
Dr. Vasco Casimiro

Considerando a importância dada à digitalização das coleções dos museus afetos à Direção Geral do Património Cultural (DGPC) através do Plano de Recuperação e Resiliência, bem como a importância de assegurar que a disponibilização das obras de arte online obedeçam a boas práticas europeias.

Considerando a importância prestada ao acesso cultural no Plano Nacional das Artes, conforme assinalado no artigo 73.º da Constituição Portuguesa, onde é referido que «todos têm direito à educação e à cultura»:

O Estado promove a democratização da cultura, incentivando e assegurando o acesso de todos os cidadãos à fruição e criação cultural, em colaboração com os órgãos de comunicação social, as associações e fundações de fins culturais, as colectividades de cultura e recreio, as associações de defesa do património cultural, as organizações de moradores e outros agentes culturais.

Considerando ainda ao disposto no artigo 78.º da Constituição, onde é esclarecido que:

  1. Todos têm direito à fruição e criação cultural, bem como o dever de preservar, defender e valorizar o património cultural.
  2. Incumbe ao Estado, em colaboração com todos os agentes culturais:
    a) Incentivar e assegurar o acesso de todos os cidadãos aos meios e instrumentos de ação cultural, bem como corrigir as assimetrias existentes no país em tal domínio;
    b) Apoiar as iniciativas que estimulem a criação individual e coletiva, nas suas múltiplas formas e expressões, e uma maior circulação das obras e dos bens culturais de qualidade;
    c) Promover a salvaguarda e a valorização do património cultural, tornando-o elemento vivificador da identidade cultural comum;
    d) Desenvolver as relações culturais com todos os povos, especialmente os de língua portuguesa, e assegurar a defesa e a promoção da cultura portuguesa no estrangeiro;

e) Articular a política cultural e as demais políticas sectoriais. (…)

Considerando as recomendações do Grupo de Projeto Museus no Futuro constituído no Despacho n.º 4527/2019, nomeadamente no capítulo III.3 Transformação Digital, onde é assinalada:

III.3.5.5 | Assegurar e incrementar o acesso digital às coleções e acervos, através de políticas de acesso aberto, em particular às imagens de obras em domínio público, em linha com o quadro legal nacional, as diretivas e as recomendações europeias, adaptando os regulamentos existentes, criando condições que incentivem a apropriação, reutilização, partilha e uso dos meios digitais como recursos educativos e estimulando a participação (e. g. crowdsourcing), a inovação e a criatividade.

Considerando que neste momento estão disponíveis através do Europeana cerca de 1,100 obras de arte pertencentes às coleções da Direção Geral do Património Cultural com o reconhecimento do Domínio Público assinalado. Apesar disso, a DGPC através do Regulamento de Utilização de Imagens de Museus, Monumentos e outros Imóveis afetos à DGPC adota uma política contraditória gerando assim uma discrepância legal nas suas práticas.

Considerando que existem dois pilares fundamentais para qualquer estratégia de promoção de acessibilidade das coleções museológicas online, no Séc. XXI:

  1. os princípios do Acesso Aberto, nomeadamente através do uso de licenças e instrumentos de domínio público desenvolvidos pela Creative Commons;
  2. a disponibilização de conteúdos em alta-resolução e em formatos e normas abertos.

Considerando que uma política de Acesso Aberto assenta no reconhecimento do direito da sociedade de usufruir livremente do domínio público. Os direitos económicos dos autores (de autorizarem e proibirem a utilização das suas obras) caducam setenta anos depois da morte daqueles. A partir dessa data, ninguém pode impedir outrem de usufruir e explorar economicamente as obras caídas no domínio público, desde que se respeitem os direitos morais do autor (nomeadamente o direito à honra e à integridade da obra). No entanto, sem uma política de acesso aberto, a comunidade dificilmente consegue exercer este direito relativamente às obras que estão nas coleções das instituições culturais.

Considerando que o domínio público e o acesso aberto são os meios que permitem envolver os cidadãos com o seu património através da reutilização das obras digitalizadas, e por consequência aumentar a proximidade dos cidadãos com as instituições de património que detêm a obra original.

Considerando que políticas de acesso aberto são comuns em museus na Europa e nos Estados Unidos (destaque-se o The Metropolitan Museum of Art, em Nova Iorque, o Rijksmuseum, em Amesterdão, a National Portrait Gallery, em Londres, ou os Museus Nacionais da Suécia). E que a Biblioteca Digital Europeia e o Europeana recomendam, no seu Public Domain Charter, que o que está em domínio público deve permanecer em domínio público. Em Portugal, destaca-se a política de acesso aberto da Biblioteca Nacional de Portugal, a instituição cultural portuguesa que tem liderado os esforços nessa área.

Com vista a expandir estas boas práticas, permitindo que haja um acesso universal efetivo às coleções museológicas nacionais, solicitamos, como entidades representativas da sociedade civil e organizações sem fins-lucrativos ligadas ao acesso ao conhecimento e à cultura, que as seguintes medidas sejam tomadas e/ou recomendadas por V/. Exas.:

  1. Criação de um grupo de trabalho no Ministério da Cultura transversal a todas as Direções Gerais que procure a uniformização das políticas de Acesso Aberto a nível nacional.
  2. Revisão do Regulamento de Utilização de Imagens de Museus, Monumentos e outros Imóveis afetos à Direção-Geral do Património Cultural (DGPC) no sentido de incluir o reconhecimento do domínio público e de levantar quaisquer obstruções à re-utilização de imagens de obras de arte com este estatuto;
  3. Disponibilização das imagens nos arquivos sobre a alçada da DGPC idealmente com Marca de domínio público ou com uma Dedicação ao domínio público (CC0) ou, em alternativa, com uma licença Creative Commons CC BY (Atribuição) versão 4.0 Internacional. Tais imagens devem poder ser descarregáveis, de modo a garantir o rápido e efetivo uso das mesmas por todos os elementos da sociedade;

Relativamente à Recomendação da Comissão Europeia acerca de um espaço comum europeu de dados para o património cultural (2021), considera-se da maior importância que o Ministério da Cultura esclareça qual é a estratégia adoptada para alcançar as metas estabelecidas na mesma. Com efeito, importa clarificar quais são as prioridades em termos de digitalização de património cultural, designadamente imóvel, e como serão atingidas as metas quantitativas definidas pela CE para a produção de modelos 3D de monumentos, conjuntos e sítios.

Igualmente relevante é saber como podem tais campanhas de digitalização integrar-se nas várias instituições tuteladas pela DGPC e articular-se os recursos digitais,

Por último, e não menos importante, é questionar se os modelos digitais produzidos com fundos europeus, nomeadamente através do PRR, serão disponibilizados em acesso aberto ou se a sua acessibilidade será condicionada por interesses comerciais de terceiros ou, simplesmente, pelas limitações da maioria dos websites institucionais sob a tutela do Ministério da Cultura.

Agradecemos desde já a sua atenção e consideração e aguardamos com expectativa a vossa resposta. Anexamos a carta aberta, devidamente assinada.

Com os melhores cumprimentos,

Associação Wikimedia Portugal
Associação Nacional para o Software Livre
Associação Communia
Associação Acesso Cultura
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