Caros,
Escrevo-lhes para parabenizar pela iniciativa de promover o projeto “Pensar Livre” com o intuito de disseminar a cultura de Software Livre em Ribeirão Preto. Agradeço o convite para participar do evento, mas infelizmente não posso aceitá-lo em função de compromissos previamente agendados. Mas, estarei com vocês, pelo menos em espírito!
Deixe eu aproveitar a oportunidade e dividir com vocês porque eu penso
que é importante apoiar e incentivar o uso de software livre entre nós.
Pelo lado mais óbvio, o usuário do software livre ganha acesso a um
verdadeiro ecossistema de software de excelente qualidade e que cobre praticamente
todas as suas necessidades de forma gratuita, desde que ele tenha um mínimo de
habilidade com computadores, software e a Internet.
O usuário economiza desta forma milhares de reais que teria que gastar se usasse o software proprietário. Ademais, isto é feito de maneira absolutamente legal e inteiramente dentro da legislação. Desta forma, ele contribui também para combater a chamada “pirataria”. Eu tenho muitas reservas sobre o uso desta terminologia (a “pirataria”) mas isto é uma outra história e vou deixar isto para uma outra oportunidade.
Software excelente, manutenção impecável, custo mínimo, grande
liberdade para experimentar com o software, apoio à legalidade, tudo isto em
troca de um pouco de conhecimento tecnológico. É uma oferta que não se pode
recusar, a meu ver! Apesar disto, as vantagens acima não são as mais importantes
que o usuário adquire ao usar o software livre.
Para entender as maiores vantagens, porém, exige-se um aprofundamento
nas características do movimento de software livre e na natureza do processo
produtivo com que ele é feito. Não temos condições nem de tentar explicar isto
nesta cartinha, mas eu tenho certeza de que os interessados no tema vão tomar
conhecimento com estes aspectos mais intelectuais do software livre, por assim
dizer, durante o “Pensar Livre”.
Gostaria, porém, de enumerar algumas destas vantagens mais indiretas,
sem entrar em maiores explicações e contando com a cumplicidade do leitor que,
se estimulado por estas palavras, sempre poderá buscar mais informações na
Internet, especialmente na Wikipédia, a Enciclopédia Livre.
Vantagem intelectual um: o usuário passa a fazer parte da comunidade de
software livre, uma comunidade generosa, fortemente cooperativa, que se forma
em torno desta modalidade de software. Ele ou ela terá absoluta liberdade para
escolher o nível de participação e de contribuição que dará à comunidade.
Apenas usando o software ela já está participando. Mas, querendo, pode
participar muito, muito mais do que isto. Promovendo o software livre e
fortalecendo assim a comunidade. Comunicando as falhas do software aos seus
autores através dos canais abertos e amplamente estabelecidos via Internet.
Sugerindo soluções para as falhas encontradas. Descobrindo o caminho completo,
todos os detalhes para a correção de uma falha destas. Contribuindo para
empacotar o software livre, padronizando o seu uso numa das várias
distribuições. Juntando-se a uma equipe que escreve cooperativamente o código
de algum sub-sistema, pequeno ou grande, do mundo do software livre. Fundando
um projeto para sanar alguma falha ou para experimentar alguma inovação,
pequena ou grande, no ecossistema de software livre. Enfim, há uma infinidade
de papéis que o usuário pode assumir nesta comunidade. Qualquer que seja o
papel escolhido, porém, ele ou ela acaba de fazer parte da comunidade,
tornando-a mais forte e mais significativa.
Vantagem intelectual dois: a comunidade de software livre está
protagonizando uma das descobertas mais fascinantes dos últimos tempos. De
fato, ela descobriu e desenvolveu, mais ou menos sem querer, sem planejar, uma
nova forma produtiva de riquezas. Esta forma produtiva foi chamada de
“commons-based peer production” por Yochai Benkler que mostrou que este método
produtivo é amplamente cooperativo e independe de hierarquias e de sinais de
mercados (baseados em preços). Assim, ele é radicalmente diferente de todas as
outras formas produtivas de riqueza que a humanidade conheceu até agora. Esta
forma de produzir riqueza depende essencialmente da Internet, não houvesse
Internet este método não poderia ser realizado. Ademais, o método não se aplica
apenas ao software livre, mas a muitas outras áreas de produção de bens de informação.
A Wikipédia talvez seja o exemplo mais dramático e mais impressionante do poder
desta metodologia.
Vantagem intelectual três: a comunidade de software livre, através do
compartilhamento do conhecimento diminui brutalmente a dependência de pessoas,
grupos, organizações, empresas e até mesmo de países de uma concentração de
controle tão típico das áreas de software e de conhecimento. Nesta nova
modalidade o conhecimento é livremente acessível e é compartilhado com todos
que se interessem. Esta é uma vantagem enorme, mas a sua consideração exige um
aprofundamento que não temos como realizar aqui.
Vantagem intelectual quatro: a vantagem anterior leva a uma
disseminação de uma capacitação tecnológica na área do software que seria impossível
de obter sem a concorrência da comunidade de software livre. Aumenta-se assim a
capacitação tecnológica da nossa comunidade e do nosso país. A capacitação
tecnológica fica conosco, podemos usá-la para novas inovações, para explorar
novas possibilidades, enfim, uma série muito grande de vantagens a que não
teríamos acesso não fosse a prática do software livre. As conseqüências desta
capacitação são absolutamente imprevisíveis. O que não podemos, a meu ver, é
abrir mão desta oportunidade. Especialmente no caso do Brasil, um país com
grandes talentos tecnológicos mas com relativamente pouca tradição de inovação
tecnológica.
Temos uma oportunidade de mudarmos isto, pelo menos na área de
software: com o advento do software livre não precisamos de pré-requisitos
outros senão a vontade de aprender e o acesso à Internet para fazermos parte da
comunidade que gera o desenvolvimento do ecossistema desta modalidade de
software no mundo inteiro e que, como já foi dito, atinge hoje, 20 e poucos
anos após o início deste movimento, praticamente a totalidade do software de
uso geral.
Bem, até que eu poderia continuar, e por longo tempo, com mais outras
vantagens, mas acho que vou parar por aqui. Como já disse, o leitor que ficou
curioso deve ir na Internet e prosseguir por lá, começando a cavar a partir das
dicas que soltamos nesta cartinha. Quanto ao evento “Pensar Livre” quero
desejar o mais retumbante sucesso.
Um forte abraço,
Imre Simon
Registered Linux User #313
*Imre Simon é professor titular aposentado do Departamento de Ciência da Computação do Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo. É Membro Titular da Academia Brasileira de Ciências e Membro da Ordem Nacional do Mérito Científico, na classe de Grã-Cruz. Foi agraciado, em 1989, com o Prêmio Científico da Union des Assurances de Paris (UAP), em conjunto com Misha Gromov e Joseph Stiglitz.