Nota-se q o
autor não tem a menor ideia de como funciona a Wikipedia (pensa q há
reuniões em q as pessas combinam as alterações a ser feitas), mas o
conto é divertido..
Abraço
Betty VH
O estranho caso do Wiki-Machado
Sérgio
Rodrigues
― "Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o
legado da nossa miséria." Sugestões, pessoal?
― Hm.
― Hmm.
― Bom, de saída eu vejo um problema: o que é legado?
― Herança. Legado é sinônimo de herança.
― Então por que não ser inclusivo e escrever logo herança, cazzo?
Legado é tão elitista.
― Acho que funciona: "... a herança da nossa miséria".
― Apoiado, mas essa miséria também é de um negativismo que vou te
contar... E logo na última frase do livro!
― Hmmm.
― Hmmmm.
― Uma péssima última impressão, eu acho.
― Entendi seu ponto. Talvez "a herança de nossas modestas aquisições"
fique maneiro. Porque combina com o personagem, que é um cara assim
meio fracassado, mas não puxa tanto pra baixo.
― E no fundo diz a mesma coisa.
― Beleza.
― O que mais?
― Olha, eu ainda não tinha falado nada, mas pra mim esse negócio de não
ter filhos e anunciar isso cheio de orgulho é que é mó deprê. Muito
leitor ou leitora que seja pai ou mãe vai se sentir agredido ou
agredida.
― É.
― Que tal isso? "Não tive, infelizmente, a oportunidade de ter
filhos..."
― Epa, mas aí seria uma agressão aos leitores e leitoras que optaram
por não ter filhos!
― Tá, a gente tira o "infelizmente".
― Hmmmmm.
― Hmmmmmm.
― Como tá ficando esse troço?
― "Não tive a oportunidade de ter filhos, não transmiti a nenhuma
criatura a herança de nossas modestas aquisições."
― "Mas estou pensando em adotar um."
― O quê?
― Uma sugestão. Assim o livro termina pra cima, aponta pro futuro. E
ainda rola uma consciência social.
― "Mas estou pensando em adotar um." Cara, você é bom! Todo mundo
concorda?
― Acho legal, mas olha, sem querer ser estraga-prazeres: o sujeito não
tá morto?
― O autor? Claro, achei que essa parte já estivesse clara pra todos
nós. O autor morreu, por isso estamos aqui.
― Não, quero dizer o narrador. O narrador morreu, como vai adotar uma
criança?
― Caramba, é mesmo. Que saco.
― Hmmmmmmm.
― Hmmmmmmmm.
― Hmmmmmmmmm.
― Quer saber? Esse fecho não tá rolando. Tem coisas que não dá pra
consertar. E se a gente simplesmente cortar isso, der um sumiço no
filho, na herança e na porra toda?
― Issa!
― Gênio!
― Já é!
Nota do Editor
Parte integrante do livro Sobrescritos (Arquipélago Editorial, 2010,
152 págs.), de Sérgio Rodrigues.