Só complementando:
O artigo de Carla Cunha et alii [1] trata especificamente das patentes
sobre conhecimentos indígenas. O tema é controverso e há várias nuances com
relação ao que a legislação aplica para a sociedade não-indígena. Vale a
pena ler.
A lei brasileira (9.279/1996, art. 10°, inc. IX) considera que não são
patenteáveis "o todo ou parte de seres vivos naturais e materiais
biológicos encontrados na natureza, ou ainda que dela isolados, inclusive o
genoma ou germoplasma de qualquer ser vivo natural e os processos
biológicos naturais". Se um princípio ativo não é patenteável, a técnica de
extração pode ser, e isso pode envolver processos longos e complexos. Há
particularidades nessas interpretações e há textos posteriores que
acrescentam lenha à fogueira. Vide MP 2.052/2001 (e o caso Novartis) e
2.186-16/2001, por exemplo.
Passo a concordar com o Lugusto. Não vejo como poderíamos apoiar com
relação a esses conhecimentos que se têm preocupação sobre apoderação por
outras partes (o bloco 2 mencionado por ele), sem aumentar o risco que se
busca minimizar.
[1] BARBOSA, C. A; BARBOSA, J. M. A. & FIGUEIREDO, P. O território do
conhecimento tradicional: controvérsias em torno da aplicação da legislação
de patentes aos conhecimentos indígenas. IN: Proa - Revista de Antropologia
e Arte [on-line]. Ano 02, vol.01, n. 02, nov. 2010. Disponível em <
gt;,
acesso em: 24 de março de 2014.
Em 24 de março de 2014 09:45, Castelo Branco <
michelcastelobranco(a)gmail.com> escreveu:
Oi, Chandra (belo nome!)
Começando pelo fim:
*2- Quais são as opções de direitos autorais das imagens, textos,
vídeos? Já que alguns indígenas disseram que empresas já usaram imagens
gráficas sem a permissão deles e outra preocupação é com os conhecimentos
relacionados com as ervas medicinais, sementes, etc, que sofrem com a
biopirataria, em que muitas vezes empresas internacionais ou nacionais
registram a patente sem considerar a propriedade indígena. *
Uma coisa são os direitos de autor e outra coisa são os direitos de
imagem. Quem detém o direito de autor é, a princípio, aquele que produziu a
imagem, texto ou vídeo. Normalmente seria o fotógrafo, editor ou
cinegrafista, mas se ele registrou o conteúdo como parte de seu trabalho
para uma organização de mídia (jornal ou empresa de tv, etc.), é bem
provável que ele tenha transferido esse direito à sua empresa. É que o
contrato de trabalho desses profissionais costuma prever que ele transfira
os direitos sobre o conteúdo produzido para a contratante. Já a empresa de
mídia pretende obter ganho econômico com o conteúdo produzido, e considera
importante manter seu conteúdo protegido, por isso costuma utilizar
licenças bem restritivas, como "todos os direitos reservados" ou
"permitido
distribuir para uso educacional, mas não permitido derivar". Essas licenças
são incompatíveis com nossos projetos. Mas há limites para esse direito, e
conteúdos mais antigos podem ter sua licença já expirada, e estar agora
disponível em licença livre. É o tal domínio público, que é compatível com
nossos projetos. O conteúdo utilizado nos projetos WMF é livre, então ao
publicá-lo lá, qualquer outra pessoa ou organização pode usar ou distribuir
aquele conteúdo, inclusive para fins comerciais, e até mesmo produzir obras
derivadas, desde que mantenha a licença. Isso vale para uma foto, para um
arquivo de áudio, um vídeo ou um texto. Portanto, se há a preocupação em
manter o conteúdo restrito, a Wikipédia (ou o Commons, ou qualquer outro
projeto WMF) não é o lugar adequado para ele.
Quem detém o direito de imagem é quem está representado no material. Em
uma foto, seria a pessoa fotografada ou o proprietário do objeto
fotografado. Ela teria de autorizar a publicação de sua imagem, em certos
casos, o que é bem comum em locais fechados. Um museu, por exemplo, pode
proibir os visitantes de fotografar o acervo. Alguém dando uma festa
particular também pode restringir as fotos do interior de sua casa. Mas há
casos em que ela não tem esse direito. As fotos tiradas a partir de locais
públicos, por exemplo. Celebridades adorariam impedir que certas fotos
venham a público e não conseguem por esse motivo (além de um outro). Via de
regra, não cabe direito de imagem para aquilo que você consegue registrar
da via pública. Não sei como o Direito interpreta uma vila ou aldeia
indígena, nesse tema. Se fizer analogia com uma cidade ou bairro, as fotos
no espaço aberto não teriam direito de imagem, mas as fotos do interior das
ocas dependeriam de autorização (cessão). Mas pode haver tratamento
específico para os indígenas nessa matéria, como há em outras. Não sei te
confirmar isso, mas vou pesquisar melhor.
As patentes são direitos sobre marcas, substâncias ou sobre "formas de
fazer". É o direito de uso econômico exclusivo de sua invenção por um
determinado período, para beneficiar quem investiu em inovação, deixando os
concorrentes de fora por enquanto. Depois de a patente expirar, outros
podem explorar o objeto patenteado, mas isso não o coloca em domínio
público. Outros direitos podem incindir sobre o objeto cuja patente
expirou. O registro de patente sobre conhecimento tradicional é matéria de
Direito. Já existe legislação que protege esses conhecimentos e há
jurisprudência para derrubar uma patente se comprovado o uso por sociedades
tradicionais. Aconteceu isso com o cupuaçu, que alguns japoneses juravam
que tinham descoberto. Creio que os projetos WMF não possam contribuir
muito do ponto de vista legal, mas ao menos tornariam públicos o uso já
feito. Embora isso dificilmente sirva de prova em um processo, ao menos
poderia ajudar a informar para algum aventureiro de boa-fé que não vale a
pena tentar patentear a tapioca. Mas se ele não tem boa-fé ou ignora a
legislação sobre o tema, não seremos nós a impedi-lo.
Vou reunir algumas referências para essas suas dúvidas e ver se posso
complementar a resposta do Lugusto ao seu primeiro questionamento.
Espero ter ajudado.
Michel Castelo Branco
Em 22 de março de 2014 23:15, Chandra Viegas <chandraviegas(a)gmail.com>escreveucreveu:
Olá para todos!
Venho abrir um debate sobre a INCLUSÃO DAS LÍNGUAS INDÍGENAS BRASILEIRAS
na Wikimedia. Conforme o último senso realizado pelo IBGE no ano de 2010 *a
população indígena do Brasil é de 896,9 mil, tem 305 etnias e fala 274
idiomas.*
A presença destas línguas no ciberespaço é de suma importância para o
reconhecimento e para a valorização. As ações que envolvem esse processo de
inclusão fazem parte da política linguística desejada no Brasil. Para que
as línguas estejam no ciberespaço é importante que a elaboração de todo o
conteúdo e da decisão de inclusão, ou não, envolva os respectivos falantes
das comunidades. As pessoas das comunidades linguísticas podem fazer
parcerias com universidades, escolas, laboratórios de informática, ou podem
criar o conteúdo em suas próprias comunidades, ou onde se encontrarem. Para
continuar o debate, já iniciado pelo Mateus Nobre com a língua
*Nheengatu*, venho apresentar algumas reflexões e perguntas para os
interagentes da lista. Observação: a Oona sugeriu que se começasse pela
língua oral, incluindo vídeos, áudios e imagens na (
commons.wikimedia.org*). e *propondo a transcrição colaborativa dos
materiais. Seguem as questões:
1- 1- Quais são as etapas necessárias para se incluir uma língua
na wikimedia? Para incluir na wikipedia seria o mesmo procedimento? Lembro
que li em algum lugar que era necessário ter uma amostra de textos. A
intenção é incluir as línguas dentro do menu de opções.
2- 2- Quais são as opções de direitos autorais das imagens, textos,
vídeos? Já que alguns indígenas disseram que empresas já usaram imagens
gráficas sem a permissão deles e outra preocupação é com os conhecimentos
relacionados com as ervas medicinais, sementes, etc, que sofrem com a
biopirataria, em que muitas vezes empresas internacionais ou nacionais
registram a patente sem considerar a propriedade indígena.
O Observação: Pretendo incluir as discussões geradas aqui em minha tese
de doutorado a ser defendida em maio, citando as respectivas contribuições
de cada pessoa da lista.
O Abraços
Chandra Wood Viegas
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