Acho que o Joaquim esclareceu a questão.
Volto ao ponto inicial, o que acham de escrevermos um documento nos
posicionando sobre esses temas?
Abraços,
Pietro
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*De:* João <jolorib(a)gmail.com>
*Para:* Mailing list do Capítulo brasileiro da Wikimedia. <
wikimediabr-l(a)lists.wikimedia.org>
*Enviadas:* Sexta-feira, 3 de Abril de 2009 8:52:33
*Assunto:* Re: [Wikimedia Brasil] APCM e Lei Azeredo
Puxa, até o Everton??
Joaquim, como sempre uma explicação brilhante e precisa, parabéns.
João
2009/4/2 Joaquim Mariano da Costa Neto <joaquimmariano(a)yahoo.com.br>
Perdi a parte mais acalorada da discussão, mas mesmo assim resolvo
palpitar com atraso.
As leis são um instrumento de manutenção do sistema. Numa boa
democracia, as leis são um instrumento de manutenção do sistema elaborado e
escolhido pelo povo. Num capitalismo feudal como o nosso, são um instrumento
de manutenção do capital e das relações de suserania e vassalagem.
Por isso, uma das maneiras de contestar o sistema é infringir as leis. A
gente normalmente não aprende isso na faculdade de direito, porque, assim
como as próprias leis, o direito também é um instrumento de manutenção do
sistema, com a vantagem (para os donos do sistema) de ser mais obscuro do
que as leis, que geralmente estão escritas no papel para que qualquer pessoa
leia.
Nos EUA, copiar música sem licença é crime. Em Cuba, restringir a cópia
de música é crime. (são duas afirmações hipotéticas, já que não conheço bem
a legislação dos EUA e de Cuba) Em qualquer caso, a lei desses países mantém
o sistema e uma das maneiras de contestá-lo é justamente infringir essas
mesmas leis.
Além disso, uma grande e recente sacada da sociedade judaico-cristã
ocidental é equiparar a infração da lei ao pecado. Atualmente, para muita
gente, infringir a lei é um pecado que manda o infrator diretamente para o
inferno. O infrator fica estigmatizado pelo resto da vida. Infringir a lei,
portanto, é um tabu, e assim acabamos hipocritamente esquecendo que todos
nós infringimos a lei e eventualmente cometemos crimes. Sócrates, Jesus
Cristo, Lênin, Gandhi, PCC, Henry Sobel e o Everton cometeram crimes. E a
lei alcança cada um deles de acordo com a necessidade de manter o sistema.
Já trabalhei na Prefeitura de São Paulo e, pelo que testemunhei, arrisco
dizer que 90% dos imóveis paulistanos infringem alguma lei. Alguém tem sono
intranqüilo por saber que sua própria casa é irregular?
Enfim, é hipocrisia e falso moralismo reduzir as coisas a "é crime! é
crime!". É crime, sim. E daí? Está previsto na lei, quem quiser contestar o
sistema e infringir a lei o fará, quem quiser infringir a lei por comodismo
o fará, os agentes da lei punirão os infratores na medida em que desejarem,
a contestação possivelmente surtirá algum efeito, e assim caminha o mundo.
Ou alguém pensa que o mundo muda pelas mãos das pessoas que cumprem a lei?
No caso específico do substitutivo do
Azeredo<http://www.camara.gov.br/sileg/integras/588033.pdf>,
entre as várias aberrações, destaca-se a obrigação de "manter em ambiente
controlado e de segurança, pelo prazo de 3 (três) anos, com o objetivo de
provimento de investigação pública formalizada, os dados de endereçamento
eletrônico da origem, hora, data e a referência GMT da conexão efetuada por
meio de rede de computadores" (sic). Além do uso incorreto do termo GMT (que
há bastante tempo foi substituído pelo
UTC<http://pt.wikipedia.org/wiki/UTC>)C>),
exigir o registro da cada acesso à Internet equivale a exigir o registro de
cada passeio que faço pelas ruas de São Paulo. Ora, ao sair de casa, não sou
obrigado a carregar comigo sequer meu RG e CPF. Saio de casa e acesso a rede
mundial de vias públicas sem precisar levar qualquer documento e sem dar
satisfação a ninguém. No meio do caminho, posso cometer vários crimes (nada
virtuais), mas nem por isso sou obrigado a levar comigo os meus documentos
ou me registrar em cada esquina com o policial de plantão.
Esse projeto de lei tem outras curiosidades.
As penas para "inserção ou difusão de código malicioso seguido de dano"
(artigo 5º do substitutivo) equivalem aproximadamente às penas de lesão
corporal grave (parágrafo 1º do artigo 129 do Código
Penal<http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Decreto-Lei/Del2848.htm>).
No mundo jurídico, isso se chama desproporcionalidade de penas (caso
consideremos que lesão corporal grave seja um delito mais grave do que a
"inserção ou difusão de código malicioso seguido de dano").
O artigo 7º do substitutivo estabelece que é crime "interromper ou
perturbar serviço telegráfico, radiotelegráfico, telefônico, telemático,
informático, de dispositivo de comunicação, de rede de computadores, de
sistema informatizado ou de telecomunicação, assim como impedir ou
dificultar-lhe o restabelecimento". Nesse caso, o responsável pelo traffic
shaping na minha banda larga (perturbação de serviço de rede de
computadores, de acordo com o texto proposto pelo senador) teria de ir para
a cadeia.
No artigo 15 do substitutivo, muita gente não percebe, mas um "crime
eletrônico" passa a ser punido com pena de morte, entre outras. Nesse caso,
altera-se o Código Penal
Militar<http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Decreto-Lei/Del1001.htm>e nele insere-se a
previsão de "crime eletrônico". A legislação penal
militar é o único conjunto de leis brasileiras em vigor que têm pena de
morte (para crimes cometidos em tempo de guerra). Assim, observando as
modificações introduzidas pelo projeto de lei no artigo 356 do Código Penal
Militar, percebe-se que "crimes eletrônicos" podem ser punidos com penas que
variam de 20 anos de reclusão à morte por fuzilamento.
Enfim, esses projetos de lei que foram juntados no substitutivo do
Azeredo são uma piada. O pior é que são uma piada perigosa.
Abraços,
Joaquim
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